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Ouro Negro 1959-1963

Posted in Books, Design, Music, Portugal, Records, Uncategorized by ghostalking on August 12, 2015

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Duo Ouro Negro
Um dos grupos portugueses mais populares de sempre, o Duo Ouro Negro tem uma longa história mas, apesar de existir inúmera informação dispersa sobre o grupo e as suas edições discográficas, muita da informação é incompleta ou incorrecta (mesmo nas edições oficiais do grupo em CD) ou está pouco sistematizada. No contexto actual, e apesar da maior circulação no mercado de segunda mão de cópias dos discos, continua por editar em digital, e de uma forma cuidada, a sua obra discográfica ou até análises sobra a mesma (fora de um contexto académico). Assim sendo, fica por agora publicado e público, este contributo para todos os que tropeçam na discografia do grupo.

A história musical do duo composto por Raul Aires Cruz (1933-2006) e Emílio Mac Mahon (1938-1985) começa com o seu reencontro em Uíge (então Vila Carmona) em 1956. Fruto de famílias mestiças, tinham-se já cruzado durante a infância em Sá da Bandeira (Lubango). A denominação Ouro Negro terá sido sugerida pela locutora de rádio Maria Lucília Dias numa analogia entre os músicos e tudo aquilo que é valioso e raro, num comentário a uma das suas primeiras actuações ao vivo. E é em Luanda, após uma actuação no Cinema Restauração (a sala de prestígio da cidade nesses anos e onde funciona hoje a Assembleia Nacional), que o empresário Ribeiro Belga os contrata para actuarem também em Lisboa, no Cinema Roma.

 

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As actuações do duo nesse ano de 1959 são um sucesso e é numa das sessões do cinema Roma que o incontornável Hugo Ribeiro os descobre, sendo que nesses anos o seu trabalho passa não só pelas gravações, mas também pela descobertas de potenciais estrelas para o catálogo do seu chefe, Rui Valentim de Carvalho. Faltava decidir qual o acompanhamento a dar aos dois músicos (nessa altura são comuns as ‘orquestras’ de acompanhamento aos interpretes). E é aqui que surge um brasileiro talentoso que estava em trânsito por Portugal com o seu grupo, mas que acabou por ficar alguns meses entre 1959 e 1960, por motivo provavelmente pouco musicais. É ele o talentoso multi-instrumentista Severino Dias de Oliveira (1930-2006), mais conhecido por Sivuca, que edita também nesse período dois discos (um deles com uma versão do tema O Lápis do Lopes de Mário Simões), e fará acompanhamento a alguns artistas (gravações do II Festival da Canção Portuguesa no Porto em Maio de 1960, por exemplo). Alguns dos temas gravados em nome próprio por Sivuca em Portugal, serão também lançados em LP pela Odeon brasileira sob o título Vê Se Gostas (em Portugal só muito no final da década de 1960 é que os LP’s se vão vulgarizar).

 

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Quanto ao Duo Ouro Negro, e para a sua estreia em disco, são então lançados em 1960, dois EP’s gravados com a orquestra e os arranjos do Sivuca para temas de folclore angolano. As capas em dourado e preto dão grande coerência a estes primeiros lançamentos, sendo para a capa do primeiro disco recuperada uma fotografia tirada numa sessão de estúdio ainda no Uíge em Angola. O texto, num tom bem paternalista (comum na música popular e no contexto colonial) apresenta assim o grupo na sua estreia:

Este simpático agrupamento angolano que, pode dizer-se, conquista agora o público metropolitano da mesma forma instantânea como já havia conquistado o de Angola é composto por dois jovens de cerca de vinte anos. Começaram a cantar de forma imprevista, durante uma festa. E pode dizer-se que o espanto dos ouvintes e amigos foi igual ao dos próprios cantores, de tal forma ficaram surpreendidos com a sua habilidade. Nasceu assim o mais conhecido dos conjuntos de Angola, cujas actuações são disputadas. Eis o seu primeiro disco, primeiro degrau de uma consagração inteiramente merecida.
Muxima Terra de grande beleza entre Luanda e Malange à beira do rio Quanza, altar de Santa Ana (a mais milagreira do norte de Angola), Muxila (sic) é justamente um cântico de louvor a Santa Ana.
Mana Fatia Conta a história de uma vendedeira que por ser bonita e afável consegue ter sempre para vender as mais frescas hortaliças e frutas.
Kuricutéla História e reacções de um negro do interior que vê e anda de comboio pela primeira vez.
Tala On N’Bundo História de um preto esperto que quer jantar e beber vinho só por 5$00.

[texto da contracapa do EP Slem 2053, 1960]

Os temas incluídos nos dois primeiros EP’s do Duo Ouro Negro fruto deste encontro único com Sivuca, serão alvo de inúmeras reedições ao longo dos anos (capas onde o vermelho substitui o dourado, ou ainda utilizando outras fotografias e arranjos gráficos para manter a actualidade e potencial de venda destes discos. Para além das edições em EP, estes temas surgem ainda em inúmeras compilações, Tala On N’Bundo (LP, 1966), Africaníssimo (LP, 1971) ou Duo Ouro Negro com Sivuca (CD, 1998). Sendo de destacar aqui o LP Africaníssimo, claramente uma tentativa de explorar a associação a Sivuca, que prosseguia uma carreira de sucesso nos Estados Unidos à data do lançamento do LP (metade do disco compila aliás temas sem a presença do músico brasileiro).

 

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Depois deste auspicioso arranque lançam, em 1961, um EP com acompanhamento da orquestra de Joaquim Luís Gomes (1914-2009). São quatro baladas com orquestrações pesadas e desadequadas ao grupo, mas que mostram diversidade musical que o grupo irá ter ao longo dos anos, alternando momentos de grande qualidade com outros de grande dispersão e desinteresse, sempre na busca de sucesso e afirmação enquanto músicos e também compositores (talento que irá desapontar nos anos seguintes). Neste terceiro EP os músicos continuam em sintonia no guarda roupa (outra imagem de marca da época), usando como cenário as Quedas de Kalandula (denominadas na altura como Quedas do Duque de Bragança), localizadas no rio Lucala (afluente do rio Kwanza).

 

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O Trio
Com nova ida a Angola o grupo volta a surgir, não como um duo, mas reforçado com um novo acompanhante, José Alves Monteiro (Gin), passando a apresentar-se como um trio. A denominação será nesta fase apenas Ouro Negro, sendo usada pontualmente a designação Trio Ouro Negro. Vão lançar com esta formação um conjunto de 5 EP’s entre 1961 e 1962.

 

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A ambiguidade do grupo na sua relação com o poder reflete-se bem nestas cinco capas e respectivo conteúdo. Um conjunto de três das capas, apresenta várias imagens de uma mesma sessão fotográfica. O trio interpreta nestes discos temas de folclore angolano cantados em dialecto local e apresenta-se vestido com trajes exóticos aos olhos ocidentais, num cenário que simula a natureza sem intervenção humana (excepto na última das capas onde se percebe que estão num jardim!). Alternado o lançamento deste discos onde se exibe este exotismo para consumo ocidental (não esquecer que estão ainda em voga nos Estados Unidos e também na Europa dezenas de declinações musicais e gráficas de Exotica, como Yma Sumac ou Les Baxter) são lançados outros dois discos com com capas e conteúdo onde se quer transmitir uma imagem urbana e cosmopolita do grupo (para além do português, há aqui temas cantados em francês e espanhol). Estes dois discos usam fotografias de uma mesma sessão fotográfica realizada nos jardins da Praça do Império (construída em 1940), constituindo assim mais um paradoxo, provavelmente um pouco involuntário, dos muitos na história do grupo. Estes dois discos têm claramente um pendor mais pop, um deles de novo com a orquestra de Joaquim Luís Gomes (aqui com mais espaço para o grupo respirar), e outro com acompanhamento do mais inovador Thilo Krasmann (1933-2004) e o seu Thilo’s Combo, uma colaboração que virá a dar muitos mais frutos no futuro.

 

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Poucos conjuntos artísticos terão firmado tão rapidamente os seus créditos como o Trio Ouro Negro. Em menos de um ano, três rapazes vindos de Angola passaram do mais completo anonimato à posição de verdadeiras vedetas do music-hall português. Tal êxito torna-se ainda mais apreciável se verificarmos que foi conseguido com um reportório constituído quase exclusivamente por obras de folclore angolano, cantadas numa língua praticamente desconhecida da maioria do público… Vencendo uma nova etapa da sua carreira, o Trio Ouro Negro apresenta-se agora num disco que se concretiza, muito em especial pela variedade do seu reportório: duas canções (Garota e Sempre Só) são originais dos próprios artistas; a terceira, Uska Dara, é uma lindíssima melodia turca; por fim, a já clássica Mãe Preta, numa versão que nada tem a ver com as anteriores. Estes trunfos. aliados ao talento interpretativo do Trio Ouro Negro, são motivos de sobejo para se augurar a este novo disco uma carreira tão triunfal como a dos anteriores.

[texto da contracapa do EP Slem 2103, 1961]

 

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O Fim

Simultaneamente com todos estes lançamentos discográficos e com o arranque da carreira internacional do grupo, inicia-se a guerra em Angola (nos primeiros meses de 1961) e, apesar da relutância em terem qualquer conotação política, será eventualmente por razões políticas que o novo elemento do grupo desaparece -literalmente- de cena em 1963. Algumas das histórias que circulam referem pedidos de asilo à Holanda, fugas a salto para a Checoslováquia do outro lado da cortina de ferro ou traições dos colegas de grupo fruto de lutas de ego. O facto é que Gin não mais voltará a aparecer, e a sua saída é apenas uma das razões para a dissolução do grupo em 1963. Algo mais tinha mudado para além da multiplicação dos espectáculos, Milo MacMahon casa-se, e o desentendimento no seio do grupo é, segundo Raul Aires Peres, irreversível. Em 1963 não é editado nenhum disco do grupo e Raul Aires Peres decide lançar a sua carreira a solo com actuações em França, sob o nome artístico de Raul Indipwo.

 

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RTP
Interpretação do tema Txakuparika (editado no EP Slem 2117) numa actuação do Trio Ouro Negro na Feira Popular de Lisboa em 1963 (Arquivo RTP – Clicar na imagem para visionar)

 

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Discografia Ouro Negro 1959-1963 (Columbia)

#01 SLEM 2053 / 1960 Muxima / Mana Fatitia / Kurikutela / Talo On N’Bundo
#02 SLEM 2058 / 1960 Kangrima / Eh Sambá / Kabulo / Maria Candimba
#03 SLEM 2060 / 1961 Nostalgia / Luanda / Serenata a Luanda / Serenata do Adeus
#04 SLEM 2086 / 1961 Henduada Xala / N’Birin N’Birin / N’Zambi / Palamié

#05 SLEM 2087 / 1961 Rebita / Bessa N’Gana / Koronial / Ana N’Gola Dilenué
#06 SLEM 2103 / 1961 Garota / Uska Dara / Mãe Preta / Porque Estou Só
#07
SLEM 2117 / 1962 N’ Guina Kaiábula / Mariana / Txakuparika / Cidrálea
#08 SLEM 2118 / 1962 Cuando Calienta El Sol / Em Busca duns Olhos Verdes / Cavaleiros do Céu / Non, Je Ne Regrette Rien

Discografia Sivuca 1959-1960 (Parlophone)

#01 45PM124 / O Lápis do Lópes / Rosinha
#02 LMEP 1089 / Praia da Nazaré / Apanhei-te Cavaquinho / Guriatã de Coqueiro / Cidade Maravilhosa

 

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Referências / Fontes principais
Bandas Míticas #09 – Duo Ouro Negro por David Ferreira (Levoir/CM, 2011)
Biografia Duo Ouro Negro por Rui Cidra (Instituto Camões, consultado em 2015)
Blog Música Eléctrica a Preto e Branco (Blogspot, 2010-2015)
“Eles Tiraram Angola do Gueto” por  João Bonifácio (Público, Abril 2010)

#05 Almanaques

Posted in Books, Design, Uncategorized by ghostalking on April 7, 2014

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Apesar de ser presença obrigatória em qualquer estante, poderá haver sempre quem ainda não tenha todos os 18 números publicados entre 1959 e 1961. Cá está uma espécie de catálogo -ao estilo dos catálogos filatélicos- dos Almanaques (Capas de Sebastião Rodrigues e João Abel Manta nos últimos números).

ALMANAQUE 1-2

ALMANAQUE 3-4

ALMANAQUE 5-6

ALMANAQUE 7-8

ALMANAQUE 9-10

ALMANAQUE 11-12

ALMANAQUE 13-14

ALMANAQUE 15-16

ALMANAQUE 17-18

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Os dezoito almanaques

#01 Outubro 1959
#02 Novembro 1959
#03 Dezembro 1959
#04 Janeiro 1960
#05 Fevereiro 1960

#06 Março 1960
#07 
Abril 1960
#08 Maio 1960
#09 Junho 1960
#10 Julho 1960
#11 
Agosto 1960
#12 Setembro 1960
#13 
Outubro 1960
#14 Novembro 1960
#15 Dezembro 1960 / Janeiro 1961
#16 
Fevereiro 1961
#17 
Março 1960 / Abril 1961
#18 
Maio 1961


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#04 A Fada Oriana

Posted in Books, Design, Uncategorized by ghostalking on January 3, 2014

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Em 2012 a Porto Editora adquiriu os direitos da obra de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) e tem vindo a colocar em catálogo as suas obras. A poesia está a ser editada pela Assírio e Alvim e a prosa pela casa-mãe, a Porto Editora. A ideia será fazer alguns posts sobre alguns dos livros, especialmente os contos para crianças. Ao longo dos anos fora sendo reeditados e foram passando pelas mãos de vários ilustradores e ilustradoras. A Fada Oriana foi o primeiro livro que li dela e foi em 2013 (não foi o primeiro que ouvi, mas isso fica para outro post).

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1.ª Edição, 1958, Ática.

A Fada Oriana já passou por mais de trina e cinco edições, correspondendo a quatro ilustradores diferentes. A primeira edição de 1958  tem uma capa de Quito com uma pintura de Nuno de Siqueira, sendo ilustrada por Bió (segundo o Almanaque do Silva este é o pseudónimo de Isabel Maria Vaz Raposo). Na segunda edição, em 1964, as ilustrações de Bió tomam conta também da capa. Ainda pela mão da Ática, mas já no início da década de 1970, sai a 3.ª edição (esta versão do livro mantém-se até à 6.ª edição). As ilustrações são agora coloridas e da autoria de Luis Noronha da Costa.

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2.ª Edição, 1964, Ática.

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5.ª Edição, 1978, Ática.

Curioso o porquê das histórias para crianças e o seu contexto familiar, no que Teresa Andresen não foi um caso isolado:

Os meus contos para crianças surgiram (…) quando os meus filhos tiveram sarampo e tinham que estar quietos. Eu tinha que lhes contar histórias e comecei a ficar muito irritada com as histórias que lia. Primeiro com a linguagem sentimental, com a linguagem «ta-te-bi-ta-te», etc. Então comecei a contar histórias a partir de factos e lugares da minha infância (sobretudo lugares).

[in Entrevista com Eduardo Prado Coelho e Lúcia Garcia Marques, Revista ICALP, 1986
via site da Biblioteca Nacional de Portugal]

 

She [Judith Kerr’s daughter Tacy] loved stories, and Tom and I both made them up for her, and of course we went to the library, but the books for two-year-olds wewre disappointing. There seemed to be very little between the “here is a cow and here is a horse” kind and some long and not particularly interesting stories with a lot of unfamiliar words “to enrich your child’s vocabulary” they claimed. They had to be translated into simple (and sometimes better) words that Tacy knew; and by the time I had done that the potatoes I was cooking for supper had probably boiled dry.
(…)
I went to the zoo to draw tigers. It seemed simplest to base the family in the book on Tom, Tacy and myself and to give them our kitchen, and then I just plunged in. I got a lot of it wrong at the first go, so it needed redrawing, and the children caught measles, and had holidays and dentists’ appointments and tea parties, so it took me the best part of a year to get to the end.

[Judith Kerr on writing/drawing her first story, The Tiger  who came to Tea, in 1966
Judith Kerr’s Creatures, a celebration of her life and work, Harper Collins, 2013]

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5.ª Edição, 1978, Ática.

A partir da sétima edição (em 1982) o livro passa as ser editado pela Figueirinhas. As ilustrações são de Natividade Corrêa e o arranjo gráfico é de Armando Alves. É aliás Armando Alves que redesenha os então 6 livros infantis que Sophia de Mello Breyner tinha publicados e lhes dá grande coerência do ponto de vista do  design (formato, paginação, tipografia, guardas). Ao longo das dezenas de edições que esta versão teve foram surgindo pequenas alterações (como a própria dimensão, aumentando de 17cm. para 20cm.), com alguma desvirtuação da delicadeza inicial. Em 2012, pela Porto Editora, é Teresa Calem que contribui com as ilustrações (de novo mais explicitas e com menos espaço à imaginação), tudo num novo formato e numa nova colecção.

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15.ª Edição, Figueirinhas, 1992. / 34.ª Edição, Figueirinhas 2002.

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Edição de 2012, Porto Editora.

 

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Os sete contos para crianças

1958 A Menina do Mar
1958 A Fada Oriana
1959 A Noite de Natal
1964 O Cavaleiro da Dinamarca
1966 O Rapaz de Bronze
1968 A Floresta
1985 A Árvore

E ainda…
1965 
Os Três Reis do Oriente (originalmente não editado como um conto infantil)
2013 Os Ciganos (conto inacabado, completado em 2013 por Pedro Sousa Tavares)

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+ Leituras + Referências

Sophia de Mello Breyner Andresen @Biblioteca Nacional de Portugal
Sophia de Mello Breyner Andresen @Porto Editora
Judith Kerr The Tiger Who Came to Tea @BBCnews

#03 No princípio era o dicionário

Posted in Books, Design, Portugal by ghostalking on September 30, 2011


Sim, todos sabemos quer não há um sentido univoco numa tradução de um texto, mas… num país habitualmente pobre em tudo, mas rico em coleccionadores e especuladores (um dia destes valerá a pena voltar a esta dupla), é assinalável a criatividade posta nas multiplas traduções de algumas obras. Os direitos de autor (dos originais e das traduções), devem ter aqui uma palavra a dizer, mas estes dois exemplos fazem temer o pior sobre aquilo que inocentemente lemos.

Comprei este livro da Erica Jong há uns anos (havia um CD cujos textos eram dela, daí o nome familiar a valer o risco de gastar 1 euro num mau livro) e só recentemente o li (7 meses sem tv têm de começar a ter efeitos secundários). Aparentemente nada de revolucionário, numa narrativa pontuada por um humor bastante ácido sobre as relações e só o final me fez achar que a coisa seria vagamente feminista. Claro que, estando traduzido para português, não seria propriamente um livro obscuro, mas afinal era uma espécie de obra de referência do ‘género’. Passei os olhos por uns artigos da autora, mas parece ser tudo bastante mais desinteressante e redundante face ao ‘medo de voar’. Enfim, nem todos podemos morrer jovens e promissores.

Claro que o mais divertido foi encontrar uma primeira edição deste ‘Fear of Flying’ (1973) em português e perceber, logo no primeiro parágrafo, que passámos de 117 para 114 psicanalistas. E que a célebre  do livro “zipless fuck”, ainda mais dificuldades trouxe ao profissionais da tradução: “queca sem fecho” ou “pinocada sem fechos de correr”?


Sobre o Kafka já se devem ter feito todas as teses académicas possíveis e imaginárias, e foi, claro, uma referência para todas as gerações de adolescentes que desde os anos 50 aos anos 80, acordaram um dia em estado de angústia metamorfósica profunda. Aqui estamos perante ‘O Castelo’, romance nunca terminado mas redigido em 1922 e publicado numa primeira versão em 1926. Os problemas da tradução devem começar logo com o embate na riqueza da língua alemã, mas é sempre enigmático (uma metáfora subtil para o conteúdo do livro?), perceber se “Era já noite…” ou se “A noite já ia adiantada…” Enfim, nada que faça grande diferença ao senhor K. e a sua sorte, mas…

Mas o melhor da edição em livro de bolso não está na tradução, mas sim na antológica capa saída dos estúdios PEA (Publicações Europa América) nos anos 80. Um pleno de tipografia, ilustração, composição, enfim, a imagem fala por sí. Pena Franz Kafka não ter terminado a obra, criando o enigma do paradeiro do castelo voador.

O Castelo // Publicações Europa-América // Livros de bolso 193
Tradução Maria Helena Rodrigues de Carvalho // s/data (anos 80) // Capa Estúdios P.E.A.

O Castelo // Edição Livros do Brasil – Lisboa // Colecção Dois Mundos 91
Tradução Vinga Martins // s/data // Capa Infante do Carmo

Medo de Voar // Publicações Europa-América // Livros de bolso 577
Tradução Isabel Sequeira // 1994 // Capa Estúdios P.E.A.

A Caminho do Congresso dos Sonhos (Fear of Flying) // Liber
Tradução ? // Dez. 1977 // Capa João Salvador